terça-feira, 7 de outubro de 2008

Um dia o Rei teve uma idéia.


Era a primeira da vida toda, e tão maravilhado ficou com aquela idéia
azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o
jardim, correu com Ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre
outros pensamentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda idéia
dele toda azul.

Brincaram até o Rei adormecer encostado numa árvore.

Foi acordar tateando a coroa e procurando a idéia, para perceber o
perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a idéia poderia ter
chamado a atenção de alguém.

Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma idéia: Quem
jamais saberia que já tinha dono?

Com a idéia escondida debaixo do manto, o Rei voltou para o castelo.
Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, saiu dos seus
aposentos, atravessou salões, Desceu escadas, subiu degraus, até Chegar
ao Corredor das Salas do Tempo.

Portas fechadas, e o silêncio.

Que sala escolher?

Diante de cada porta o Rei parava, pensava, e seguia adiante. Até chegar
à Sala do Sono.

Abriu. Na sala acolchoada os pés do Rei afundavam até o tornozelo, o
olhar se embaraçava em gazes, cortinas e véus pendurados como teias.

Sala de quase escuro, sempre igual. O Rei deitou a idéia adormecida na
cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.

A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.

O tempo correu seus anos. Idéias o Rei não teve mais, nem sentiu falta,
tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos
educados espelhos reais Que mentiam a verdade. Apenas, sentia-se mais
triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos
jardins.

Só os ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda
branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.

Posta a coroa sobre a almofada, o Rei logo levou a mão à corrente.

- Ninguém mais se ocupa de mim - dizia atravessando salões e descendo
escadas a caminho das Salas do Tempo - ninguém mais me olha. Agora posso
buscar minha Linda idéia e guardá-la só para mim.

Abriu a porta, levantou o cortinado.

Na cama de marfim, a idéia dormia azul como naquele dia.

Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma idéia menina. E linda. Mas o Rei
não era mais o Rei daquele dia.

Entre ele e a idéia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo
parado na Sala do Sono. Seus olhos não viam na idéia a mesma graça.
Brincar não queria, nem Rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam
estar juntos como naquele dia.

Sentado na beira da cama o Rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que
tinha guardado para a maior tristeza.

Depois baixou o cortinado, e deixando a idéia adormecida, fechou para
sempre a porta.

Marina Colasanti

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