domingo, 13 de dezembro de 2009

A saúde totalitária

ELISABETH ROUDINESCO

ESPECIAL PARA O "LE MONDE"

É na tradição de Georges Canguilhem, para a história da ciência médica, e de Michel Foucault, para a crítica de seus exageros, que Roland Gori, psicanalista e professor de psicopatologia, e Marie-José del Volgo, médica e psicóloga, abordam em um belo ensaio uma das questões centrais para a medicina moderna [em "La Santé Totalitaire", ed. Denoël] : o que fazer com o sofrimento moral dos pacientes confrontados, de um lado, com a grande precisão das técnicas de exame, avaliação e verificação - radiologia, tomografia, ressonância magnética, controles sanguíneos - e, de outro, com a formidável eficácia dos tratamentos pesados: cirurgia, radioterapia, quimioterapia etc.?

Antigamente a morte pertencia a Deus, o único habilitado a dar a vida e a tirá-la. A doença era então considerada uma maldição enviada aos homens que haviam traído as leis da cidade ou da genealogia ou como uma punição infligida àqueles que haviam pecado. Durante séculos, a medicina foi exercida por "homens da arte" - filósofos e práticos - que se encarregavam do governo dos corpos e das almas.

Mas com o surgimento da medicina científica, ao longo do século 19, um novo tipo de médico assumiu o lugar outrora ocupado por Deus. Cercado de respeito, este se pôs a dirigir com a autoridade de um rei o destino de seus pacientes, escondendo deles a verdade e escolhendo para seu bem um tratamento adequado.

Hoje em dia essa situação se inverteu. Transformado em simples especialista, o médico não é mais o senhor em seu domínio. E de repente o paciente é convidado a dar um "consentimento esclarecido" ao tratamento que lhe administram. Mas como ser parceiro de um sofrimento que a ciência médica, muitas vezes, domina somente como estatística?

Pelo próprio fato de sua sofisticação, os tratamentos destinados às patologias graves não podem levar em conta os estados de alma e as angústias ligadas ao surgimento da doença. Pior ainda, às vezes eles têm um efeito devastador sobre o paciente fragilizado. Quem não tremeu enquanto esperava o resultado de um exame que poderia confirmar ou negar um prognóstico sombrio?

Sabemos que os progressos da medicina moderna tiveram como efeito nefasto estender as categorias da norma e patologia a comportamentos sociais que não são conseqüência de uma doença, mas de uma vontade de normalizar as consciências.

Assim nasceram os desvios de um higienismo de Estado, do qual somos herdeiros e que consistem, além das políticas necessárias de saúde pública, em medicalizar todos os atos de nossa existência: paixões, sexo, pensamento, alimentação, modos de vida. Daí o nascimento de uma mentalidade securitária que visa a tornar o paciente responsável por suas doenças e pelos danos que elas causam à sociedade. Hoje, o problema orgânico não vem mais dos deuses nem da natureza, mas de comportamentos humanos considerados desordenados ou errados.

Mas esse progresso também teve por conseqüência favorecer em escala mundial o divórcio entre a abordagem do corpo e a da alma. Quando o especialista dos países ricos se baseia na ciência para aplicar aos pacientes terapêuticas impessoais, este se sente obrigado, para tratar sua alma, a recorrer a medicinas ditas "alternativas" e sem eficácia.

Ao contrário, nos países pobres, onde a medicina científica ainda não foi implantada, as terapêuticas tradicionais se ocupam da alma enquanto finge curar o corpo.

Assim, quanto mais a medicina enriquece em resultados diante da doença, mais ela empobrece em sua relação com o paciente. Mas, quanto mais ela é ineficaz no plano orgânico, mais é benéfica para a alma do paciente cujo corpo é abandonado à morte. Sem renunciar a uma opção explícita a favor da medicina científica e sem ceder jamais a maniqueísmos, Gori e Del Volgo mostram que é preciso reinventar uma abordagem do paciente que leve em conta tanto as necessidades científicas quanto o sofrimento psíquico.

Elisabeth Roudinesco é historiadora da psicanálise francesa, autora de "Jacques Lacan" (Companhia das Letras) e "Por Que a Psicanálise" (Jorge Zahar).

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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