Vida
Prática para teóricos
Logo
nos primeiros anos após a residência médica em Medicina Interna e depois
Nefrologia – como uma extensão da Medicina Interna – fui convidado a dar
consultorias na Unidade de Tratamento Psiquiátrico de um Hospital Universitário
Geral.
Uma
unidade inédita, dentro de um hospital geral, ampla, com dezenas de leitos, com
área fechada e, portanto segura, com psiquiatras especialistas e pós-graduados,
além de terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais,
nutricionistas e enfermeiras especializadas.
Tempos
ainda difíceis para a psiquiatria, psicologia e psicanálise... Os recursos
terapêuticos eram ou escassos ou traziam efeitos colaterais em excesso... As
internações eram mais frequentes e as entidades clínicas muitas vezes ou eram
causas ou consequências ou se sobrepunham as manifestações psíquicas.
Difícil
separar o que era psíquico, biológico ou social, seguramente minha visão do
tratamento integrado – biopsicossocial – fortaleceu-se nessas experiências.
Viajava
dentre explicações estratosféricas dos colegas psiquiatras, agarrava-me nas
observações clínicas, exames físicos, laboratoriais e de imagens para decifrar
um mundo confuso de sintomas e sinais.
Entretanto,
e felizmente, tínhamos um grupo psiquiátrico fortemente comprometido com o cuidado
de excluir manifestações psiquiátricas primárias de comprometimento clínico secundário
e esse comprometimento foi fundamental no diagnóstico e tratamento de centenas
de pacientes com patologias clínicas passíveis de tratamento ou controle.
Com o
passar dos anos e o progresso técnico, os diagnósticos foram tornando-se mais
seguros e tratamentos inovadores também foram introduzidos levando a condutas
técnicas seguras, pelo menos para quem acompanhou esse desenvolvimento com
seriedade.
Hoje,
com certa leviandade, até as comadres receitam antidepressivos com
assertividade, mas trafegar nas entrelinhas da gama das manifestações psíquicas
requer muito mais que isso...
Em
primeiro lugar é necessário ter os pés em um chão bem estável, uma visão
desconectada da estratosfera, uma percepção sensível sobre sintomas clínicos e
situação social.
Tudo se
completa e nos confunde... Fácil, somar sintomas e definir diagnósticos com
base em critérios. Sem exame padrão ouro, como em tantas outras especialidades...
Em
qualquer especialidade médica, mas especialmente na área psi, maior atenção e
cuidado para não viajarmos livremente na estratosfera dos sintomas, mas também
não afundarmos no lodo dos critérios diagnósticos...
Escutar,
escutar e mais escutar... Perceber e entender a linguagem não verbal... Atrair
e pontificar questões pobremente apresentadas...
Deixar-se
usar por algum tempo para ampliar sintomas e sinais pobremente ou mal ignorados...
Impensados ou recusados...
Vida
prática para teóricos... Uma janela para sedimentar percepções filosóficas,
psicológicas, psiquiátricas e clínicas...
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