terça-feira, 4 de junho de 2013

Vida prática para teóricos



Vida Prática para teóricos

Logo nos primeiros anos após a residência médica em Medicina Interna e depois Nefrologia – como uma extensão da Medicina Interna – fui convidado a dar consultorias na Unidade de Tratamento Psiquiátrico de um Hospital Universitário Geral.
Uma unidade inédita, dentro de um hospital geral, ampla, com dezenas de leitos, com área fechada e, portanto segura, com psiquiatras especialistas e pós-graduados, além de terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais, nutricionistas e enfermeiras especializadas.
Tempos ainda difíceis para a psiquiatria, psicologia e psicanálise... Os recursos terapêuticos eram ou escassos ou traziam efeitos colaterais em excesso... As internações eram mais frequentes e as entidades clínicas muitas vezes ou eram causas ou consequências ou se sobrepunham as manifestações psíquicas.
Difícil separar o que era psíquico, biológico ou social, seguramente minha visão do tratamento integrado – biopsicossocial – fortaleceu-se nessas experiências.
Viajava dentre explicações estratosféricas dos colegas psiquiatras, agarrava-me nas observações clínicas, exames físicos, laboratoriais e de imagens para decifrar um mundo confuso de sintomas e sinais.
Entretanto, e felizmente, tínhamos um grupo psiquiátrico fortemente comprometido com o cuidado de excluir manifestações psiquiátricas primárias de comprometimento clínico secundário e esse comprometimento foi fundamental no diagnóstico e tratamento de centenas de pacientes com patologias clínicas passíveis de tratamento ou controle.
Com o passar dos anos e o progresso técnico, os diagnósticos foram tornando-se mais seguros e tratamentos inovadores também foram introduzidos levando a condutas técnicas seguras, pelo menos para quem acompanhou esse desenvolvimento com seriedade.
Hoje, com certa leviandade, até as comadres receitam antidepressivos com assertividade, mas trafegar nas entrelinhas da gama das manifestações psíquicas requer muito mais que isso...
Em primeiro lugar é necessário ter os pés em um chão bem estável, uma visão desconectada da estratosfera, uma percepção sensível sobre sintomas clínicos e situação social.
Tudo se completa e nos confunde... Fácil, somar sintomas e definir diagnósticos com base em critérios. Sem exame padrão ouro, como em tantas outras especialidades...
Em qualquer especialidade médica, mas especialmente na área psi, maior atenção e cuidado para não viajarmos livremente na estratosfera dos sintomas, mas também não afundarmos no lodo dos critérios diagnósticos...
Escutar, escutar e mais escutar... Perceber e entender a linguagem não verbal... Atrair e pontificar questões pobremente apresentadas...
Deixar-se usar por algum tempo para ampliar sintomas e sinais pobremente ou mal ignorados... Impensados ou recusados...
Vida prática para teóricos... Uma janela para sedimentar percepções filosóficas, psicológicas, psiquiátricas e clínicas...

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